Módulo 1: Introdução e Fundamentos da Imagem em Membros
1.1 O que é a Tomografia Computadorizada de Membros?
A tomografia computadorizada (TC) dos membros é um exame de imagem que utiliza raios-X para criar imagens detalhadas em seções transversais do interior do corpo. É um método de estudo indicado para auxiliar no diagnóstico de diversas patologias que afetam os membros superiores (ombro, braço, cotovelo, antebraço, punho e mão) e inferiores (coxa, joelho, perna, tornozelo, calcâneo e pé).
A TC é um excelente método de imagem para a avaliação do componente ósseo, sendo altamente eficaz para observar fraturas e lesões hemorrágicas.
1.2 Comparação entre TC e Ressonância Magnética (RM)
É crucial entender quando a TC é a modalidade de escolha, em comparação com a Ressonância Magnética (RM):
| Característica | Tomografia Computadorizada (TC) | Ressonância Magnética (RM) |
|---|---|---|
| Tecnologia | Radiação ionizante (Raios-X) | Campo magnético e ondas de rádio |
| Melhor Visualização | Ossos, fraturas, pulmões, vasos sanguíneos e estruturas densas | Tecidos moles (cérebro, músculos, cartilagens, nervos) |
| Tempo de Exame | Geralmente mais rápido (em minutos, ou 10 a 20 minutos no total) | Mais longo (30 minutos a 1 hora ou mais) |
| Uso em Trauma | Superior para fraturas | Pode ser útil para avaliar lesões de tecidos moles (ex: manguito rotador) |
| Contraindicações | Gravidez (contraindicação relativa) | Implantes metálicos e claustrofobia podem ser desafios |
1.3 Artrotomografia Computadorizada (Artro-TC)
A Artrotomografia (Artro-TC) é um excelente método para a avaliação da cartilagem articular. Pode ser utilizada como alternativa à Ressonância Magnética ou Artro-RM para avaliação das estruturas articulares internas quando há contraindicações à RM, como clipes de aneurisma cerebral, marca-passo cardíaco ou claustrofobia.
O procedimento envolve a injeção de contraste diretamente no espaço articular. As regiões mais frequentemente avaliadas são o ombro e o joelho.
Módulo 2: Protocolos Técnicos e de Aquisição
2.1 Uso de Contraste Iodado
O contraste iodado é uma substância líquida injetada na veia (via endovenosa). O uso de contraste realça estruturas hipervascularizadas, auxiliando na visualização de tumores ou processos inflamatórios.
! Recomendações Técnicas:
- Administração: Dose de 2 ml/kg de peso, ou em adultos com 70 kg ou mais, 100 ml
- Sensações Comuns: O paciente pode sentir um gosto metálico na boca e sensação de calor no corpo logo após a aplicação, que passam em instantes
Preparo e Contraindicações:
- Jejum: Se houver uso de contraste, é necessário jejum absoluto de 4 a 6 horas antes do exame
- Contraindicações: Pacientes com histórico de alergia grave ao iodo, asma grave, ou insuficiência renal (a menos que façam diálise no dia do exame)
- Gestantes: A TC de membros é contraindicada em mulheres grávidas devido ao uso de radiação, exceto em urgências e com autorização médica
2.2 Requisitos de Aquisição e Reconstrução
A técnica do exame deve ser sempre relacionada à história clínica do paciente. O equipamento multislice propicia uma avaliação com rapidez e qualidade, permitindo aquisições finas.
- Partes Moles: Centro (WW) geralmente 30 a 70; Abertura (WL) 200 a 400
- Ósseas: Centro (WW) geralmente 300 a 400; Abertura (WL) 1200 a 3000
2.3 Protocolo de TC do Ombro (Exemplo de Membro Superior)
A TC do ombro é realizada para avaliar a articulação, a clavícula, a escápula e o úmero.
| Parâmetro | Detalhe da Aquisição |
|---|---|
| Posicionamento | Decúbito dorsal, braço para baixo na posição anatômica. Braço contralateral levantado acima da cabeça. |
| Topograma | Frente (AP) com rotação externa e abdução do ombro contralateral para evitar artefatos. |
| Orientação do Corte | Transversal (axial puro, sem angulação). |
| Início/Final dos Cortes | Da articulação acrômio-clavicular até 2 cm abaixo da borda inferior da glenóide. |
| Espessura/Incremento | 3 a 5 mm (Convencional). Pode ser 1 a 3 mm para Helicoidal/Reconstrução. |
| Reconstruções | Recomenda-se reconstruções sagitais e coronais; documentação coronal com janelas para osso. MPR e 3D são interessantes, especialmente em trauma. |
Módulo 3: Aplicações em Ortopedia e Traumatologia
3.1 Fraturas da Extremidade Proximal do Úmero
As fraturas da extremidade proximal do úmero (osso do braço) são comuns. O diagnóstico é geralmente feito por exames de raios X ou tomografia computadorizada.
A TC fornece maior detalhamento da lesão e é amplamente usada para avaliação, principalmente em fraturas mais complexas.
Existem vários sistemas de classificação, sendo os mais usados Neer e AO.
1. Classificação de Neer: É a classificação mais empregada atualmente. Divide a extremidade proximal do úmero em quatro partes: tuberosidade maior, tuberosidade menor, diáfise do úmero e cabeça do úmero. Para ser considerado "uma parte", o fragmento deve ter desvio superior a 1 cm ou 45° de angulação (exceto a tuberosidade maior, que se considera desvio maior que 0,5 cm ou 45° de angulação).
Reprodutibilidade: O uso da TC com reconstrução 3D melhora a concordância (inter e intraobservadores) para a classificação de Neer, transformando o valor de Kappa de insatisfatório (0,37 em radiografia) para satisfatório (0,57 em TC) na concordância interobservadores.
2. Classificação AO/ASIF (Arbeitsgemeinschaft für Osteosynthesefragen): Usa um sistema alfanumérico para dividir as fraturas da extremidade proximal do úmero em 27 subgrupos, organizados por complexidade crescente.
Reprodutibilidade: O uso da TC demonstrou aumento somente da concordância interobservadores nesta classificação (Kappa de 0,25 para RX e 0,36 para TC), mas os valores permanecem insatisfatórios, o que pode ser justificado pela complexidade do sistema.
! Conclusão Clínica-Radiológica: A TC com reconstrução 3D permite uma melhor avaliação da fratura quanto às partes que a compõem e aos seus desvios, justificando seu uso na classificação de Neer, que é a mais aplicada.
3.2 Infecções Osteoarticulares (IOA) Pediátricas
As IOA (como Artrite Séptica, Osteomielite e Espondilodiscite) são causas importantes de morbidade em crianças.
| Modalidade de Imagem | Aplicação e Achados em IOA |
|---|---|
| Radiografia Simples (RX) | Recomendada para afastar outras hipóteses, como neoplasias ou fraturas, pois sua sensibilidade para diagnóstico definitivo de IOA é baixa. As alterações (rarefação óssea, elevação do periósteo) podem levar de 7 a 21 dias para surgir. |
| Ultrassonografia (US) | Alta sensibilidade para identificação de derrame articular em artrites sépticas. |
| Tomografia Computadorizada (TC) | Tem menor sensibilidade que a RM, mas é mais disponível. É útil no planejamento de cirurgias e para guiar procedimentos de aspiração ou drenagem. |
| Ressonância Magnética (RM) | É o exame mais indicado para o diagnóstico de IOA, principalmente osteomielites e espondilodiscites, pois tem alta sensibilidade e pode detectar alterações precocemente (em 3 a 5 dias de evolução). |
Módulo 4: Patologias Específicas: Periartrite Cálcica Aguda (PCA)
4.1 Definição e Sintomas
A Periartrite Cálcica Aguda (PCA) é uma inflamação periarticular aguda resultante de depósitos justa-articulares de cristais básicos de fosfato de cálcio (hidroxiapatita). É mais comumente identificada no ombro.
Os sintomas típicos incluem início súbito de dor, edema localizado, eritema, sensibilidade e redução da amplitude de movimentos. Devido à sua apresentação clínica exuberante, a PCA é frequentemente confundida com doenças infecciosas ou inflamatórias, como artrite séptica e gota.
4.2 Achados de Imagem da PCA
O diagnóstico por imagem é fundamental para a correta diferenciação da PCA de outras patologias:
| Modalidade de Imagem | Achados Típicos | Detalhes |
|---|---|---|
| Radiografia (RX) | Calcificações periarticulares distintas, bem circunscritas, homogêneas, sem trabéculas ou córtex. | Os depósitos podem desaparecer ou diminuir acentuadamente em 2 a 3 semanas. |
| Ultrassonografia (US) | Focos hiperecogênicos (brilhantes). Na fase sintomática, a consistência cremosa pode se assemelhar a "pasta de dente" ou leite, apresentando limites imprecisos. | A US é útil em depósitos mais superficiais e pode ser usada para guiar a administração de corticosteroides. |
| Tomografia Computadorizada (TC) | Zonas de alta densidade (calcificações) dentro dos tecidos moles. | Permite a visualização detalhada do tamanho, formato e localização dos depósitos, com aumento da atenuação nos tecidos adjacentes (indicando inflamação). |
| Ressonância Magnética (RM) | As calcificações aparecem tipicamente como focos ovalados e bem delimitados de baixa intensidade de sinal (hipointensos) em todas as sequências. | A RM é crucial para diferenciar a PCA de artrites sépticas, pois a PCA é monoarticular e geralmente não envolve a articulação propriamente dita. |
! Diferencial com Gota: Diferentemente da PCA, a artrite gotosa (gota) se manifesta como massas periarticulares (tofos gotosos) que podem determinar erosões justacorticais "em saca-bocado" e que geralmente apresentam sinal intermediário na RM.
Conclusão: A Caixa de Ferramentas Radiológica
A avaliação radiológica e a escolha do método de imagem são como uma caixa de ferramentas para um construtor: embora o martelo (Radiografia) seja usado para a maioria dos trabalhos rápidos e iniciais, a serra elétrica (TC) é essencial para cortes detalhados do osso, e o nível laser (RM) fornece a visão mais precisa dos alinhamentos dos tecidos moles, garantindo a solidez e a precisão do diagnóstico final.