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Aula Detalhada: Urografia Excretora (UIV)

Um guia aprofundado sobre a avaliação morfofuncional do sistema urinário.

Parte 1: Introdução e Conceitos Fundamentais

1.1. O que é a Urografia Excretora?

  • Definição: Exame radiológico contrastado do trato urinário, que avalia a morfologia e a função dos rins, ureteres e bexiga.
  • Princípio Básico: Administração intravenosa de um contraste iodado, que é filtrado pelos glomérulos renais, concentrado nos túbulos e excretado, "opacificando" o sistema coletor.
  • Status Atual: Com o avanço da Tomografia Computadorizada (TC) e Ressonância Magnética (RM), a UIV tornou-se menos frequente, mas permanece um pilar para o entendimento fisiológico e em situações específicas.

1.2. Indicações (Por que solicitar?)

  • Investigação de hematúria (principal indicação histórica).
  • Avaliação de litíase urinária (cálculos renais e ureterais).
  • Identificação de massas, tumores ou cistos renais.
  • Avaliação de anomalias congênitas (rim em ferradura, duplicidade de sistemas).
  • Investigação de obstruções do trato urinário (hidronefrose).
  • Avaliação pós-operatória (após cirurgias urológicas).

1.3. Contraindicações e Riscos

  • Contraindicação Absoluta: História de reação anafilática prévia ao contraste iodado.
  • Contraindicações Relativas:
    • Insuficiência renal (creatinina elevada → risco de Nefropatia Induzida por Contraste).
    • Mieloma Múltiplo.
    • Diabetes Mellitus com nefropatia.
    • Gravidez.
    • Tireotoxicose (risco de crise tireotóxica).

Parte 2: Anatomia Radiológica Relevante

2.1. O Rim:

  • Localização: Retroperitoneal, entre T12 e L3. Rim direito ligeiramente mais baixo.
  • Estruturas Internas: Córtex Renal (externo), Medula Renal (pirâmides), Cálices (menores e maiores) e Pelve Renal.

2.2. O Ureter:

  • Trajeto: Retroperitoneal, do hilo renal até a bexiga.
  • Pontos de Estreitamento Fisiológico (CRÍTICOS): 1. Junção Ureteropélvica (JUP); 2. Cruzamento com os vasos ilíacos; 3. Junção Ureterovesical (JUV).

2.3. A Bexiga:

Órgão muscular oco, pélvico, que armazena urina e varia de forma com a distensão.

Anatomia do Sistema Urinário
Diagrama anatômico do sistema urinário: rins, ureteres e bexiga.

Parte 3: Técnica do Exame e Fases

3.1. Preparo do Paciente:

  • Jejum de 4-6 horas (reduz gases e risco de aspiração).
  • Hidratação adequada.
  • Limpeza intestinal com laxante na véspera.
  • Obter consentimento informado.

3.2. Sequência de Imagens (A Espinha Dorsal do Exame):

  1. Radiografia Simples (Plano Simple/Scout): Essencial para avaliar preparo e identificar cálculos radiopacos (90% dos casos). É a base de comparação.
  2. Fase Nefrográfica (Imediata - ~15-30s pós-injeção): Mostra a opacificação do parênquima renal. Avalia tamanho, contorno e simetria funcional.
  3. Fase Pielográfica (Excretora - 5, 10, 15 min): Opacifica o sistema coletor (cálices, pelve, ureteres). Imagens com compressão abdominal podem ser usadas para melhor distensão dos cálices.
  4. Fase Cistográfica (Bexiga - ~20-30 min): Avalia a bexiga cheia.
  5. Imagem Pós-Miccional: Crucial para avaliar o resíduo e o esvaziamento completo dos ureteres.
Posição Paciente
Posição do Paciente para execução de UIV.

Parte 4: Interpretação de Imagens e Achados Normais

A interpretação deve ser sistemática, comparando cada fase com a anatomia normal e com a radiografia simples inicial.

  • Contornos Renais: Lisos, com tamanho de 3-4 vértebras.
  • Nefrograma: Simétrico e homogêneo.
  • Pielograma: Cálices côncavos e afilados. Ureteres finos com peristalse visível.
  • Cistograma: Bexiga com contornos regulares.
  • Pós-miccional: Esvaziamento quase completo.
Série Sem Contraste UIV
Montagem exemplificando as fases da UIV: Raios X sem contraste, Scout.
Série Inicial UIV
Montagem exemplificando as fases da UIV: , Nefrográfica, Pielográfica e Cistográfica.
Série Final UIV
Montagem exemplificando as fases da UIV:20 minutos, Bexiga Cheia, Pós Miccicional .

Parte 5: Aplicações Clínicas e Achados Patológicos

5.1. Litíase Urinária (Cálculos):

Visível como sombra radiopaca na simples ou como falha de enchimento ("sinal do buraco") na fase excretora, causando dilatação (hidroureteronefrose) a montante e retardo na excreção.

5.2. Tumores:

Carcinoma de Células Renais: Massa que distorce o contorno renal e os cálices ("cálices amputados").
Carcinoma Urotelial: Defeito de preenchimento irregular dentro do sistema coletor.

UIV com Cálculo Obstrutivo
UIV mostrando hidronefrose à direita e à esquerda devido a um cálculo no ureter distal.
UIV com Cálculo Obstrutivo
UIV mostrando hidronefrose à esquerda devido a um cálculo no ureter proximall.

5.3. Obstruções:

Dilatação progressiva do sistema coletor. A UIV é excelente para mostrar o nível e a causa da obstrução.

5.4. Anomalias Congênitas:

Rim em Ferradura: Fusão dos polos inferiores.
Duplicidade de Sistema: Dois sistemas coletores em um rim.

UIV com Rim em Ferradura
Fase nefrográfica de uma UIV demonstrando a fusão dos polos inferiores dos rins, caracterizando o rim em ferradura.

Parte 6: Resumo e Encerramento

A Urografia Excretora, embora menos usada hoje, fornece a base fisiopatológica para entender os exames de imagem modernos do sistema urinário. Dominar sua interpretação é fundamental para qualquer profissional da área da saúde, pois ensina a pensar de forma funcional e não apenas anatômica.